sexta-feira, 11 de março de 2011

Para que serve o Dia Internacional da Mulher?

O dia 08 de março foi definido como Dia Internacional da Mulher por demanda das mulheres socialistas de vários países do mundo. A história de que a data estaria relacionada a um incêndio numa confecção de Nova Iorque, no qual morreram quase 150 costureiras, não é verdadeira. Houve, sim, um incêndio numa indústria da cidade em 1911, mas, então, já havia comemorações do Dia da Mulher nos EUA e em várias partes do mundo.

O ponto positivo da história equivocadamente divulgada é que, mesmo que através de um engano, esta versão reforça o caráter trabalhista, de luta por melhores condições de trabalho, que está na origem da data. O que há de verdadeiro é uma greve de operárias da indústria têxtil na Rússia em 1917 que acabou sendo o estopim da revolução socialista que resultou na formação da União Soviética e de todo o chamado Segundo Mundo. Quem quiser mais informações sobre o histórico da data pode consultar o Wikipédia, que tem um verbete bem escrito e bem embasado sobre o tema. Veja em http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher.

Para além da história, é preciso reforçar o caráter político da data. As mulheres entraram no mercado de trabalho ainda na origem da Revolução Industrial, mas somente as de baixa renda. Se, entre as mulheres de classe média ou alta, o trabalho sempre foi um sonho distante até meados do século XX, entre as pobres trabalhar nunca foi uma opção, mas uma necessidade. E sendo, além de pobres, mulheres, a situação era das mais precárias. E, em muitos casos, mais de dois séculos depois, pouca coisa mudou. Ainda hoje temos exploração das formas mais vis, com o trabalho análogo à escravidão nas fazendas, fábricas e até nas casas das melhores famílias. Trabalhadoras rurais, operárias e empregadas domésticas são as maiores vítimas da exploração que atinge também os homens, mas sempre de maneira mais branda. Mesmo entre as trabalhadoras qualificadas ainda há discriminação, com salários mais baixos e ascensão profissional, quando há, mais lenta e sempre limitada.

Isso sem falar nos direitos sexuais e reprodutivos. Na nossa sociedade machista, a culpa do estupro continua sendo da vítima que, de alguma forma, “provocou” o criminoso, estava “procurando confusão” e – bem feito! – acabou violentada. Muitos de nós ainda acham normal um homem agredir sua companheira, afinal, “ele pode não saber por que está batendo, mas ela sabe por que está apanhando”. O aborto ainda é um crime cometido pela mulher que, muitas vezes, não conseguiu convencer o parceiro a usar preservativo ou, pior, foi coagida a manter relações sexuais, mesmo contra sua vontade. Há também quem ache legítimo realizar esterilização em massa das mulheres pobres para evitar que tenham mais filhos e, com isso, reduzam a renda per capita e espalhem a miséria que pesa no orçamento público e – pensam os defensores desta ideia – gera violência.

Nossa sociedade machista só admite uns poucos modelos de mulher: a mãe zelosa e abnegada que se desdobra pela família, esquecendo-se de si mesma; a esposa submissa ao marido, que vive “por trás do grande homem” e sempre atenta às suas mais frívolas necessidades e desejos; e o objeto sexual, com o corpo ornado por peças de roupa minúsculas, que mais mostram que ocultam, em poses sensuais e até vulgares. Quem não se submete a estes modelos é tachada de “megera”, “feminazi” ou – como se uma coisa tivesse a ver com a outra – “lésbica que odeia homem”. Daí a ditadura da beleza, a indústria da moda na qual, apesar de ganharem mais que os homens, as mulheres são submetidas a trabalhos exaustivos, desgastantes, constrangedores e até perigosos por uma boa pose. E que venham os transtornos alimentares que extrapolam o “mundinho fashion” e chegam às jovens do mundo todo, incapazes de, com suas vidas normais, se equipararem às modelos supermagras e sempre impecavelmente penteadas, vestidas, maquiadas.

E não vamos nem começar a discutir a execução de mulheres, como a iraniana Sakineh Ashtiani, que aguarda a execução como punição por adultério e homicídio, sentenciada ao fim de um processo eivado de vícios. Também não vou comentar a castração feminina comum em várias tribos africanas, onde a remoção do clitóris e dos grandes lábios das meninas é feita sem nenhuma anestesia ou assepsia, provocando muitas vezes, além da mutilação e dos problemas sexuais para toda a vida, infecções e até a morte. E o que dizer do infanticídio seletivo, quando somente os bebês do sexo feminino são assassinados, já que, nas sociedades que o praticam, filhas são fardos?

Sim, para muita gente o Dia Internacional da Mulher é uma data de flores e presentes. Esta foi a forma usada pelo capitalismo para neutralizar o caráter reivindicatório e feminista da data, tornando-a mais uma efeméride sem importância. Assim é a máquina de moer gente da sociedade de consumo: distorce, pasteuriza, enfeita e vende.

Claro que gostamos de ganhar presentes! Mas o principal é que este dia sirva para a reflexão sobre a condição da mulher no mundo atual, seja qual for seu país, etnia, idade, religião, classe social ou categoria profissional. E que, depois de refletir, nos sensibilizemos e lutemos para mudar o que não é digno nem aceitável numa sociedade que se pretende civilizada.

Texto de Renata Silver - assessora de imprensa FEEB RJ/ES

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